E é nesse breve entretanto entre o nada e a saudade que te procuro com a cegues do tacto mal treinado. Apalpo a tua forma nas coisas, tentando reconhecer os teus padrões curvilíneos nos objectos que desconheço. Por momentos, uma esperança encantada surge do meio da escuridão. Não a deixo escapar, agarro-a com força. Com ela faço um desenho de luz. Sigo os contornos sossegados da tua silhueta que ainda recordo com paixão. És, agora, e mais do que nunca, aquela ilusória constelação que ilumina a vontade e dá forma ao desconhecido. Porque pior do que desconhecer é não saber o que se desconhece. Assim, conhecendo o que não sei, acredito no que não vejo e confio em ti. Apalpo o futuro contigo, com o toque da incansável esperança que é, dizem, sempre a última a morrer...
Os amores não se apagam, substituem-se por outros amores.
Por melhores amores, outros nem tanto,
Por amores diferentes, outros estranhos.
Por loucos, malditos, vagabundos, efémeros, eu sei lá...
E agora, como se substitui um amor?
Como se troca de amor sem se morrer no entretanto do silêncio ousado?
Não se substitui um amor sem morrer.
É necessário fechar os olhos e chorar,
Sentir a falta e o vazio,
E o exagero do fim do mundo aparente,
A angústia que desperta o sono,
A saudade do que nunca aconteceu,
Das promessas agora rompidas,
Dos olhares desviados da felicidade deslavada de sabor.
Dos erros inconscientes, das palavras mal ditas, dos beijos mal dados,
Ui, de tanta coisa mais...
E depois deste resumo,
Que explode por entre rasgos de memórias
Que estilhaçam o coração com insistência,
É preciso cair e morrer,
Para finalmente ressuscitar,
Para um novo amor amar,
E voltar, assim, a viver!
Efectivamente, sim senhor, não o nego com a mesma veemência atroz com que desminto aos céus essas verdades escondidas, recalcadas, subjugadas aos factos, esses raivosos cães e danados que, devorando a realidade, a controlam com as trelas de aço presas nos dentes aguçados. Ui mas é mesmo assim, não há forma de escapar a essa perseguição, quatro patas são mais e melhores que dois pés descalços e sem hábito no solo grosseiro. A pele rasga, o sangue derrama, as vísceras respiram o ar poluído pela poeira e suor da debandada. Não só creio, observo igualmente a violência encarnada com que te estripam as ideias e as lavam em seguida. Dizem que estão sujas, dizem que é para teu bem. Macabro é esse limpar que te deixa oco e cego e faminto de conhecimento e de crítica. Aguenta, meu bem, a fricção da lavagem, grita, ruge até que o eco se sobreponha a ti e te amedronte. Chora, ri-te do insólito e do desconhecido. Brinca com ele, contigo, com todos. Faças o que fizeres, distrai-te, tudo irá passar, a seu tempo: tempo da evolução negativa, do passo atrás, do castramento das ideias e opiniões, da individualidade intelectual. Aguenta meu bem, aguenta, o pai está aqui...