quarta-feira, março 21, 2007

Enxaqueca

Levantei-me sem sono, peguei no relógio e: “3h15m da matina e ainda não preguei olho!”. Frustrado, tentei novamente embalar-me ao som da chuva que caía lá fora. Em vão foi tal acto desesperado, em busca de algum sossego no mundo maravilhoso do sonho. Mais uma vez tentei, mas o portal do fantástico teimou em não se abrir para mim.

Desisti e voltei as costas, não valia a pena, não ia conseguir dormir. Coloquei os pés firmes no chão firme e sentei-me na cama. Com os cotovelos espetados a meio das coxas, aleijando-me até, ajeitei para trás o cabelo despenteado pelos lençóis.
Na mesinha de cabeceira estava um livro do qual já não me lembrava da história, nem da capa, nem do autor…ainda duvidei que fosse meu. Porém, não perdi muito tempo com tal intriga e caminhei para a cozinha, sonâmbulo.
Café, leite, chá, água da torneira, água do garrafão, tinha que escolher qualquer coisa, precisava de ingerir algo para me sentir vivo. Optei pelo líquido escuro do café. Se já estava vigilante, agora iria sentir-me como um predador atento na caça à sua presa.

Voltei para a divisão do martírio, o meu quarto. Mais especificamente para o local da tortura, a cama. Liguei o rádio, mas nada nem ninguém acudiu do outro lado. Experimentei todas as estações e na mesma, nada. O ruído chuviscado das estações difusoras, em tudo se assemelhava ao som da água apressada lá fora, conjugando-se ambos numa harmonia perfeita para os meus ouvidos.
Continuei a chávena de café que ainda ia a meio. Cada gesto singular de beber era, por vezes, interrompido por breves e inesperados espirros. Não seguindo os conselhos maternais habituais, acabei por expor a nudez dos meus pés, ao frio temperamento do soalho de mosaico.

Com o sono mais que recalcado pela acção da cafeína, fui até ao cabide e peguei da minha gabardina. Vesti-a. A acompanhar tinha umas botas, que diziam ser impermeáveis. Chaves sim, carteira sim (sabe-se lá para quê) e cabeça…bem…estava quase tudo.
Saí de casa. Noite estava escura e encharcada, a lua era uma recém-nascida e os candeeiros municipais não davam luz. Pareciam ter-se escondido, medrosos, receosos, com a acção intolerante e majestosa dos relâmpagos. Pareciam ter-se curvado perante a medonha tempestade, ao contrário de mim, que decidi enfrenta-la, num confronto passivo e amigável.

Rapidamente, os meus pés começaram a sentir-se frios. As botas não pareciam ser assim tão impermeáveis como dizia o anúncio que, há semanas, se alastrava pelas paragens de autocarros e revistas ordinárias. Mais uma vez tenho razões para acreditar que o que é dito nas campanhas de marketing não existe, porque é tudo mentira. Agora me apercebo que os anúncios são piadas secas, que passam por verdades que elucidam as pessoas, fazendo estas correr até às lojas comprar o produto que pensam ser apetrechado pelas mais avançadas tecnologias. Concluindo isto, limito-me a sorrir indiferentemente para os cartazes, fingindo terem alguma piada.

Deixo o pensamento e volto a mim, como ser único e constipado, no meio de uma algazarra natural.

Sigo a calçada desviando-me de certas poças, contudo, não conseguindo evitar outras. O meu nariz pinga gelado, mas não me atrevo a limpa-lo, até porque tal limpeza iria revelar-se inútil, poucos instantes depois. Um espirro que já ameaçava sair, desde há cinco minutos atrás, continua a insistir fortemente.

Revisited #1

  Não te vi mais, mas sinto-te todos os dias no alto-relevo da tatuagem que esculpiste em mim. Não há dor nem cor. Há-te. Tu hás em mim em f...