Alegremente anestesiado, é assim que me sinto. Os meus sentidos parece‐me falhar, absorvo a realidade sem margem para interpretações. O mundo não existe, só existo eu, sozinho e vagabundo, neste espaço universalmente vazio. Companhia, só me fazem os meus pensamentos absurdos sobre situações absurdas que agora fazem sentido. Deixei a realidade racional, criando o meu próprio sistema lógico onde sou o juiz, e simultaneamente o réu, a ditar e seguir as leis vigentes. O limite sou eu, é a minha imaginação, agora mais fértil do que nunca, floresce em direcção a esta nova iluminação que sinto.
Sou livre de abrir os meus pensamentos ao irracionalismo do insólito e do absurdo. Sinto‐me um deus de mim para mim mesmo. Dentro desta minha esfera idealmente concebida para me distanciar da realidade material dura e cruel, vejo‐te a ti e à ideia que tenho de ti. Sois assim tão diferentes? Tu e a ideia de ti? Sinto que não, terei que confirmar. Sei que não vos devo confundir, mas é difícil, nem mesmo neste meu mundo afastado de tudo e de todos eu consigo obter uma resposta satisfatoriamente concreta.
Quero‐te compreender, independentemente de tudo, sem recurso a análises inatamente redutoras. Não te quero entender em função das tuas particularidades, mas em função das generalidades do conceito por mim formado que te representa e identifica, nestes entrelaçados confusos onde assentam os meus pensamentos cheios de nós. Desta rede conceptual, onde se encontra perdida a tua existência por mim idealizada, surgem, irreversivelmente, pequenos impulsos que se coagulam em igualmente pequenos sentimentos obsessivos, empurrando‐me para o real abismo do qual me tento cobardemente proteger.
De repente, um estalo nessa barreira protectora, reproduz‐se em subtis falhas fatais. Caio abismalmente para esse lugar tenebroso. A minha existência, um recém-nado fresco, puro, sensível e desprotegido, vê‐se agora obrigado a enfrentar novas regras para as quais não está preparado. Nada faz mais sentido. Os conteúdos, outrora subjectivamente racionais, transformam‐se lentamente em pequenas emoções e sentimentos fantásticos, que de genéricos se vão materializando em redor da tua existência e moldando‐se a ela, tornando-se específicos e bem determinados. Apercebo‐me que acordo para essa paixão sem qualquer manifestação de sentido inteligível. Tento procurar um significado para as coisas que despertam os meus sentidos, até agora adormecidos pelo tempo e pela rotina de uma lógica débil, pessoal e repetitiva.
Tempo, preciso de tempo. Assim, paro, escuto e cego com esse brilho fantástico que vem de ti. Cego para a razão, ilumino-me para a desordem, o caos, o desequilíbrio de um sentimento borbulhante e curioso. Aguentarei tudo isto? Serei capaz de abarcar toda a tua magnitude num simples conceito que te represente?
Confundo-me, confundes-me...